quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Mudança de atitude

Nós lemos e ouvimos o tempo todo sobre a crise ambiental, o esgotamento dos recursos naturais e a necessidade de mudarmos nossa relação com a natureza. No entanto, por que é tão difícil transformar essas informações em atitudes concretas? Por que é tão difícil encarnamos mudanças nos nossos hábitos? Cuidando de nossas atribuladas vidas privadas, ficamos esperando que políticos e cientistas tomem as providências necessárias e resolvam todos os problemas do mundo para nós. Todavia, diversos são os indicadores de que apenas mudanças nas políticas públicas não serão suficientes para deter a atual crise, se não se transformarem também os valores que norteiam nossas atitudes e estilos de vida. É preciso que cada um de nós assuma a responsabilidade pela mudança.
Uma pesquisa do Datafolha realizada em maio na cidade de São Paulo divulgou que 62% dos consumidores paulistanos não gostaram da suspensão da distribuição de sacolinhas plásticas nos supermercados. A razão? Segundo grande parte dos entrevistados, “ficou mais difícil levar os produtos”. Diante da crise ambiental que enfrentamos, na qual a redução do consumo de plástico é medida mínima para garantir um futuro habitável no planeta, os paulistanos querem a volta das sacolinhas por uma questão de praticidade. Isso mostra a grande dificuldade que temos em sairmos da nossa zona de conforto, em realizarmos mudanças mínimas no nosso cotidiano. No entanto, criar novos hábitos não é bom somente para o planeta. Neurologistas já demonstraram que realizar atividades não rotineiras é um ótimo estímulo para a formação de novas conexões nervosas, incrementando nossa memória, atenção e saúde mental.  Pequenas mudanças cotidianas podem nos ajudar a levar vidas mais saudáveis e criativas. O pensamento conformista sempre diz: “Todo mundo faz assim! De que adianta eu mudar?” Nossa tendência é sempre agir como a maioria e não é nada fácil assumirmos mudanças sozinhos. No entanto, quando começamos a praticar ações diferenciadas, isso não só traz uma enorme gratificação moral, como também passamos a notar que muitos outros as estão praticando. Começamos a nos perceber como parte de um processo de transformação.
Não é preciso mudanças radicais. Como já disse Ecléa Bosi: “A verdadeira mudança política dá-se a perceber no interior, no concreto, no miúdo; os abalos exteriores não modificam o essencial”.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Organismos geneticamente modificados e a desigualdade social

Todos já ouvimos falar sobre as implicações ao meio ambiente e à saúde humana derivadas do uso de organismos geneticamente modificados (OGM) como os transgênicos. No entanto, muitos desconhecem as implicações sociais e econômicas de tal uso. Os OGM são formulados de forma a permitirem o uso de altas doses de agrotóxicos. São especialmente úteis em monoculturas de grande extensão, nas quais é mais difícil o controle de ervas daninhas e pragas – não só pela extensão de terra, mas pela diminuição da biodiversidade e, consequentemente, da resiliência do sistema. Um exemplo disso é o uso, nos Estados Unidos, de um tipo de soja geneticamente modificada de forma a se tornar resistente ao uso de herbicidas. Em grandes extensões de terra, a técnica utilizada pelos produtores é passar com um avião jogando veneno na plantação. A soja transgênica, que é resistente ao veneno, vinga; e as outras plantas indesejadas, morrem.
As grandes corporações de biotecnologia formulam esses OGM em seus laboratórios de engenharia genética, registram a patente dessas sementes, e lucram com a venda das sementes e dos agrotóxicos aos quais são resistentes. Dessa forma, os produtores rurais têm de pagar os royalties de propriedade intelectual à empresa, a cada nova safra. Para os pequenos produtores isso sai muito caro. A semente, que antes era gratuitamente oferecida pela natureza, passa a ser uma mercadoria a ser comprada.
De um lado, vemos grandes proprietários de terra, cujas monoculturas se sustentam na medida em que podem pagar por sementes e agrotóxicos e podem produzir alimentos artificialmente baratos. Do outro lado, vemos os pequenos produtores, sem poder competir com os preços do mercado do agronegócio, forçados a deixar suas terras e viver da venda de sua força de trabalho nas grandes propriedades.
Dessa forma, quando compramos um produto orgânico, não estamos apenas cuidando da nossa saúde e do meio ambiente, mas, também, contribuindo com os pequenos produtores que não podem (e não querem) comprar aquilo que é um direito de todos os homens: as sementes. Segundo Vandana Shiva, a “guerra contras pestes” levada a cabo pelas corporações de biotecnologia é uma guerra sem fim, pois as pestes se modificam continuamente e se tornam resistentes aos venenos, exigindo cada vez mais toxidade para serem eliminadas. Mas essa guerra é desnecessária. As pestes são produto de uma desarmonia nos ecossistemas, e podem ser evitadas por meio da produção orgânica, que restaura a diversidade e o equilíbrio ecológico.

sábado, 23 de junho de 2012

Índice de Riqueza (Não) Inclusiva

Após chegarem (finalmente) ao consenso de que o Produto Interno Bruto (PIB) não é uma ferramenta adequada para medira riqueza de um país, os líderes que se reuniram durante a Rio+20 pediram para que pesquisadores apresentassem outras ferramentas para substituí-lo. Uma das alternativas, que também foi apresentada durante a conferência no Rio é o Índice de Riqueza Inclusiva (IRI), criado pela Universidade das Nações Unidas e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Esse índice busca incluir o capital humano (salários, níveis de escolaridade), capital manufaturado  (produtividade) e capital natural (florestas, pesca, combustíveis fósseis, minerais e terra de cultivo e pasto). O mérito desse índice é o de medir a riqueza de uma nação por diferentes componentes, e não somente o produto interno bruto ou a renda per capita. É uma tentativa de incorporar na economia a preocupação com as gerações futuras. No entanto,  é uma perspectiva bastante limitada, pois os recursos naturais, ou “serviços dos ecossistemas” são vistos como bens ou mercadorias que podem ser contabilizadas. Dessa forma, uma terra de cultivo pode ser considerada um capital natural, mesmo que tenha sido criada à custa de desmatamento de florestas e mesmo que use grandes quantidades de agrotóxico. É um cálculo meramente quantitativo que acaba por não levar em consideração elementos que não podem ser mercantilizados - como biodiversidade, paisagens, proteção de áreas das quais dependem índios, coletores, pescadores, etc. ; além de não levar em conta a forma como o recurso é utilizado nem a destinação da produção (se para a comunidade local ou para exportação, por exemplo).
Esse índice demonstra uma clara tentativa de preservar o modelo capitalista, permitindo que o modelo de exploração dos recursos existente hoje continue nas próximas gerações.  Segundo o relatório, desenvolvimento demográfico é o principal motor por trás de mudanças no capital natural (e não a intensidade do consumo). Além disso, esse índice não leva em consideração o fluxo de capital natural dos países emergentes para os países desenvolvidos. Dessa forma, um país rico que importa recursos naturais pode muito bem preservar seus recursos e elevar seu índice de capital natural à custa da exploração de recursos dos países pobres.
Segundo esse relatório, 70% dos países analisados em 2012 apresentam um IRI positivo, indicando sustentabilidade (?!). Também afirma que a inovação tecnológica e os ganhos de capital petrolífero superam o declínio em capital natural e danos causados pelas mudanças climáticas, colocando um número de nações na direção da sustentabilidade.
Quando perguntado sobre essas questões, Dr. Pablo Munoz, Diretor Científico desse relatório afirmou que “esse é um indicador monetário sobre a base produtiva da economia”. Segundo ele, a questão da biodiversidade e das áreas de preservação foi excluída dos cálculos, pois “apesar de importantes, foi decidido que elas não contribuem diretamente para a base produtiva da economia nacional”.
Ou seja, temos novamente um índice meramente econômico, incluindo os recursos naturais apenas na medida em que são úteis para as indústrias e para a perpetuação de um capitalismo desigual e não inclusivo. No relatório aparece a seguinte frase a respeito  das áreas de preservação: “Essa pode ser uma questão que foge do campo decisório da economia simples, mas que deve existir no domínio da ética e da teoria do valor moral”.  Realmente, suas palavras confirmam que a economia continua divorciada da ética e da moral. Então, que economia é essa? A quem ela serve?

Compras Públicas Sustentáveis

Muitas foram as críticas feitas à Conferência Rio+20 por não conseguir efetivar mudanças substanciais no atual modelo econômico e político. É importante, entretanto, olhar para os pequenos avanços conseguidos nessa cúpula. Apesar de andar a passos lentos, podemos constatar que uma verdadeira mudança de paradigma está ocorrendo. A questão da sustentabilidade ganha cada vez mais importância e amplitude. Passa a ser entendida não apenas como preservação de florestas e baleias, mas sim como algo que permeia (e que deve guiar) todos os aspectos de nossa sociedade: economia, geração de empregos, erradicação da pobreza, produção, consumo, tecnologia, etc. Alcançamos um consenso mundial de que não há sustentabilidade sem inclusão social, sem erradicação da fome, da pobreza e do preconceito.
Uma iniciativa muito interessante foi anunciada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) durante a conferência e recebeu apoio de diversos países, inclusive o Brasil. Trata-se da Iniciativa Internacional de Compras Públicas Sustentáveis, Essa iniciativa busca aumentar o número dos gastos públicos que utilizam critérios ambientais na escolha dos bens ou serviços. Segundo a Izabella Teixeira, Ministra do Meio Ambiente, as compras públicas no Brasil são responsáveis por 16% do PIB. Essa iniciativa (se realmente usar critérios que valorizem pequenos produtores e não grandes corporações) pode abrir um grande mercado para produtos e serviços ambientalmente corretos e socialmente justos. 
Toda iniciativa que busca minimizar o impacto ambiental é bem-vinda. Entretanto, o que não devemos perder de vista é que a simples troca de produtos não é suficiente. Muitas pessoas acreditam que o consumo responsável é simplesmente escolher marcas de empresas que não agridam ao meio ambiente. Por mais importante que isso seja, é essencial também repensar a própria necessidade da compra: Será que realmente preciso desse produto? Será que a felicidade que ele vai me trazer compensará a energia (natural e humana) consumida em sua fabricação? Novas fontes de felicidade e bem-estar devem ser encontradas que não a aquisição de bens materiais. O atual padrão de consumo e descarte das classes privilegiadas da nossa sociedade é insustentável. Dessa forma, neste final de semana, ao invés de ir ao shopping comprar roupas novas, um celular mais avançado ou uma televisão maior, porque não fazer uma caminhada no parque ou visitar aquele amigo que não vemos há muito tempo? Talvez nos traga muito mais bem-estar. Para nós, e para todo o planeta.

Aconteceu na Cúpula dos Povos


©Spectral Q/Chico/Paulo

Foto: Quase 1500 pessoas usaram a Praia do Flamengo no Rio como tela no dia 19/06/12. Seus corpos formaram as linhas de uma enorme imagem para protestar contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingú. A atividade foi organizada pela Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros.




©Caroline Bennett

Foto: Sonia Bone Guajajara, vice-presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), se dirige a indígenas durante manifestação na Praia do Flamengo, no Rio, em 19/06/2012. 



Acima: Professor Paul Singer na Cúpula dos Povos. Abaixo: Tenda lotada para ouvir a palestra de Paul Singer e Boaventura Santos. Pessoas sobem na árvore para assistir.


O futuro que realmente queremos

Entre os dias 15 e 23 de junho deste mês foi realizada a Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental, evento paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. A Cúpula reuniu diversas atividades autogestionadas por ONGs, movimentos sociais, povos indígenas, quilombolas, pescadores, empreendedores de economia solidária, entre outros. As atividades foram realizadas em tendas abertas, gratuitamente e contaram com grande participação popular. Uma média de 25 mil pessoas circularam por dia no evento. Para aqueles que acreditam que existe uma alienação e um marasmo político na sociedade brasileira, a Cúpula provou o contrário. Quem passou pelas tendas montadas no Aterro do Flamengo pôde ouvir as muitas vozes dos povos latino-americanos denunciando a situação das populações e discutindo suas próprias alternativas para um futuro sustentável e mais justo. Foi muito bonito ver a convergência de tantas pessoas tão diferentes, mas unidas em uma visão comum. Uma das muitas questões discutidas foi o subsídio dos governos a combustíveis fósseis, que somam 1 trilhão de dólares por ano e que apenas beneficiam as grandes corporações poluentes. Dinheiro esse que poderia ser redirecionado para a população pobre e para iniciativas sustentáveis.
Uma das conferências de grande público reuniu Paul Singer, Secretário Nacional de Economia Solidária, e Boaventura Santos, da Universidade de Coimbra. Após afirmarem a Economia Solidária como forma de resistência ao capitalismo e contra a chamada “economia verde”, o debate foi aberto para o público. Uma senhora negra pegou o microfone e fez uma denúncia: “Sou quilombola. Sou descendente de escravos. Nós estamos sendo tratados que nem animais. Pelo amor de Deus. Quem puder nos ajudar, nos ajude. Eu tenho 88 anos. Meu pai morreu por essa nação. Vai lá ver o que nós estamos comendo: do chão, igual porcos!” Seu desabafo emocionou a todos os presentes.
Esse é o grande mérito da Cúpula: dar voz àqueles que não são ouvidos em nossa sociedade. Reunir num diálogo de iguais políticos, intelectuais, ativistas e populações excluídas. Estas últimas, ao contrário do que muitos pensam, são extremamente conscientes das causas das desigualdades e têm soluções concretas e viáveis para eliminá-las. Foi na Cúpula dos Povos e não na conferência oficial que pudemos ouvir as muitas vozes da sociedade, ver reais caminhos para o desenvolvimento sustentável e entender qual é o futuro que realmente queremos.

Foto: O intelectual português Boaventura Santos e uma senhora quilombola durante conferência na Cúpula dos Povos.

Buscando Consensos na Rio+20

Entre os dias 16 e 19 deste mês ocorreram, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), os chamados “Diálogos com a Sociedade Civil”. Foram debates entre representantes de governo, empresas privadas, pesquisadores e ONGs para o fechamento do documento final. Intitulado O Futuro que Queremos, esse documento foi entregue aos chefes de Estado na terça feira passada. Durante os debates, apesar das diferentes visões sobre o que é (ou deveria ser) um desenvolvimento sustentável, alguns consensos ficaram muito claros, tanto nos discursos das ONGs e pesquisadores quanto no discurso dos representantes da ONU. Alguns desses consensos são:
1) O PIB não é uma ferramenta adequada para medir a riqueza de um país, por não englobar os danos ambientais em suas análises. Novos índices devem ser formulados e algumas tentativas foram apresentadas na conferência.
2) Os governantes devem dar prioridade para as crises de longo prazo e não somente para as de curto prazo, como vem ocorrendo. Governantes foram criticados por estarem no México tentando resolver a crise financeira, ao invés de estarem participando dos diálogos.
3) É fundamental a intervenção dos Estados na economia. Somente com um controle do mercado poderá haver um desenvolvimento sustentável. “Não as corporações fazendo o que querem, mas aquilo de que precisamos”, disse Oliver Greenfield, da Coalisão Economia Verde. No entanto, também é consensual o fato de que os líderes precisam ser pressionados pela sociedade civil para que avancem e coloquem em prática as mudanças necessárias.
Apesar de haver um avanço nos debates e nos discursos, as ações decisivas que realmente contribuiriam para um desenvolvimento sustentável não foram tomadas, como o fim dos subsídios a combustíveis fósseis, a criação de taxas sobre emissão de carbono, ou mudanças mais radicais no modelo econômico. Governantes continuam a defender os interesses econômicos das grandes corporações e quem continuará a pagar pelos danos ambientais serão as populações. Kumi Naidoo, do Greenpeace, disse: “Enquanto bilhões estão sendo gastos livrando bancos e milhões mais subsidiando a indústria de combustíveis fósseis, fica claro qual agenda nossos líderes estão seguindo: aquela das corporações poluentes”. Kit Vaughan, da CARE International, afirmou: “Aqui existe um comprometimento com o futuro que não queremos”.

Foto: Representantes das ONGs denunciam a falta de comprometimento dos governantes